domingo, 31 de julho de 2011

A reza matinal

Já tínhamos visitado umas grutas na Tailândia, mas quando nos disseram que haviam 7,5 kms de uma gruta escura para percorrer de barco no Laos, não conseguimos recusar fingir que poderíamos ser Indiana Jones por umas horas! O autocarro que nos transportou hesitava nas subidas, com falta de força, e o condutor passou as 7 horas a apitar em cada palhota que passava: chamava pelos locais que o poderiam querer apanhar e poderiam estar distraídos no seu relaxamento habitual - estendidos numa "hamock", a rede/cama que tanto adoram.  Finalmente chegados a uma terra no meio de um vale verde-rã dos arrozais, Ban Kong Lor, nós mais a Sofia, uma argentina que viajou connosco durante uns dias, e o Chintan, um indiano que tínhamos acabado de conhecer num song tawe, decidimos pernoitar numa "homestay" - casa de família onde  nos dão cama e comida a troco de uma pequena ajuda financeira. Queríamos muito conviver com as famílias, estar no meio delas, falar com gestos, sorrir, ver qual é o ritmo que os conduz, que os faz levantar, sentir como interagem, como se respeitam, como comem, o que comem, queríamos deixar as guest houses que também são confortáveis, mas pecam pela falta de tacto humano e pela frieza das passagens efémeras dos backpackers.

O vale encantado.
No song tawe a caminho.
Percorremos a vila, falámos com os locais, com gestos, brincámos com as crianças, com sorrisos, registámos os seus sorrisos enternecedores, com a câmara e com o coração, vimos como moíam o arroz, com os olhos,
e tomámos banho no rio com a vila inteira, no final do dia.

A menina tímida.
Com os locais, a mãe e os 1000 filhos :)
Bebé ao colo.
Brincar às escondidas.
Observam, sentados.
Moer o arroz.
Perto do rio.
O banho.
Espelho de água.
A ver os transeuntes farangs.
3 meninas de chapéus de sol.

Sorriso de quem já pregou uma partida.

Arrozais verde-rã.
Colher o arroz.
O fascínio pela objectiva.
Os melhores modelos :)

Lusco-fusco.
Brincando na areia.
Os irmãos.

Corrida para a água.
Banho social.
Pôr-do-sol inesquecível.
Após o banho, regressámos à casa de família. Não queríamos chegar atrasados ao jantar porque sabíamos que os orientais fazem as refeições muito cedo. Sentámo-nos no chão da sala, com as crianças, os avós e a bisavó. Os pais iam entrando e saindo. Comunicámos com gestos, com os olhos e com sorrisos. Visitámos a cozinha, oferecemos ajuda, mas não nos deixaram. Jantámos "sticky rice" (arroz que se aglutina permitindo comer com a mão e que no Laos comem como pão),  e uma canja de galinha. Bebemos água e no final o avô presenteou-nos com um Lao Lao wine, tipo aguardente, ao qual não conseguimos recusar. Após o jantar, ficámos todos a ver a novela e as crianças a brincarem, curiosas com a nossa presença. Incrível o poder de uma caixa de imagens a cores. Aqui também enfeitiça. Principalmente por nem todos terem acesso aos seus poderes.

Com os avós e netos.
Na cozinha.
A bisavó encantada com a TV e a bisneta.
Com a bisavó e a avó, mais a Sofia.
Boa Noite :)
A nossa caminha!
 Dia seguinte acordámos com os galos e com os cães. Descemos e fomos tomar o pequeno-almoço, mais uma vez com os avós. Sticky rice com steamed rice, frango e uns vegetais :) Sonhámos com ovos estrelados mas ingerimos o arroz como se fosse o melhor pequeno-almoço do Mundo. No final, o avô pega num cordel branco e a avó noutro. Com uma reza imperceptível à nossa comunicação, atam os fios no nosso pulso e sorriem! Emocionados, agradecemos a dádiva e a protecção espiritual que nos concederam para as viagens vindouras. 



Seguimos para a tão esperada gruta de kms intermináveis e pensei "Com estas pulseiras protectoras já não devemos ficar lá presos!". O espírito do Indiana Jones desaparece na iminência consciente da aventura. No meio da escuridão e a bordo de um barquinho que abanava a qualquer movimento, percorremos a gruta durante 2 horas, ida e regresso. No meio, parámos para caminhar por entre estalactites e estalagmites, distintamente iluminadas num cenário que, segundo os mais peritos, lembrava a Guerra das Estrelas!

Uma das entradas da gruta.
O barco que balançava muito.
A Sofia!
A preparar a aventura.
A gruta iluminada parte I.
Espeleólogo Indiana Jones!

 Com a Sofia e o Chintan.
A gruta iluminada parte II.
A gruta iluminada parte III.
A gruta iluminada parte IV.
Deixámos a vila com pena de não ficarmos mais tempo com a família que nos acolheu tão carinhosamente. Mas também sabíamos que numa viagem, o mais importante é o percurso e que apesar de não voltarmos a ter uma experiência assim... outras igualmente compensadoras hão-de chegar. Não faltou muito para nos vermos no meio de um filme nas horas que viriam a seguir!


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Lao Lao

O Laos inspira enquanto o resto do Mundo suspira.
Inspira até o pedaço de espírito menos devoto à irracionalidade. Esconde uma fórmula mágica como um mago protege as suas poções. E depois, encanta por quem lá passa. Deixa marca. Faz querer viver para o ver. Faz querer presenciar a sua genuidade espiritual.

Apesar do budismo generalizado, parte do Laos ainda crê no animismo: forma de religião que acredita que todas as coisas têm ânima, um espírito, uma alma. Desde a pedra à árvore, desde o fungo ao rio. Por isso, antes de derrubar qualquer árvore, fazem uma “benção” aos espíritos que lá vivem.

O Laos incita a mergulhar de cabeça nas suas cascatas de contos de fadas e ficar sem pé. Cria cenários pintados por Van Gogh. O Laos são campos de arroz imersos num espelho de água que reflecte os seus limites: as montanhas rochosas, escarpadas em calcário (“limestones”) de perder a respiração. São sorrisos desdentados mas irresistíveis que nos levam a sorrir a toda a hora, com o estômago. De dentro. Revolve o nosso interior e espeta-nos contra a parede, indefesos, perante tanta bondade genuína.

O Laos põe qualquer photoshop ensaiado para evidenciar o que de melhor tem um país de lado. E ainda pede desculpa por ser assim: tão imperfeitamente bonito. O Laos são “acenares” pueris de “helloooooo” constantes, como quem diz “Obrigado por estarem aqui. Somos pequenos, mas obrigado por nos escolherem.” São crianças que correm atrás de nós, para nos verem com os seus olhos grandes de curiosidade quem ali passa e não tem os olhos rasgados. São humanos bebés, cães bebés, gatos bebés, destinados a florescer na sua reduzida esperança de vida. O Laos tem poucas rugas marcadas no rosto, e não fez uma plástica: é difícil ser-se velho no Laos. Não se chega lá...  

O Laos é "Same Same, But Different". É semelhante aos países vizinhos, mas difere na sua exclusividade. Não há pedaço de Laos em mais lado nenhum. E é tão bom estar num sítio assim. O Laos é único, como todas os seres são únicos e por isso especiais. O Laos é "Hurry up and wait", e ninguém se importa de esperar. Porque vale sempre a pena esperar por algo que é gratificante.

O Laos são fumos que nos remetem para as aldeias de Trás-os-Montes e entranham os nossos pulmões com saudade. São pessoas imensas de espírito e pobres em dinheiro, mas que lutam pela sua autonomia. Têm uma cabana, um campinho de arroz, uns vegetais plantados, uns ananaseiros, bananeiras e não precisam de pedir na rua.

O Laos são rios condutores do rio pai, o Mekong. São búfalos de água banhados por eles e com o focinho de fora, atentos ao que os rodeia. O Laos é o Mekong e o Mekong é um pedaço de topping de caramelo que o atravessa deixando no seu rasto o seu melhor sabor, para depois se dividir em 4 mil ilhas de encantar, antes de mergulhar no Cambodja.

O Laos é carne picada com folhas de menta, lemon grass e cebola, deixando-nos a salivar de vontade de repetir, infinitamente. É sticky-rice que se come como pão, de manhã, ao almoço e ao jantar e nunca farta. É fruit-shake ao preço da chuva que nos leva a ter prazer em ser saudável. É ice-coffee com leite condensado que arrebata logo de seguida o “ser saudável com fruta”. É Lao-Lao wine que nos deixa K.O. num ringue. É um autocarro de 16 horas atolado de pele humana, olhares indiscretos mas inocentes, sacas de maçarocas de milho que entopem os corredores obrigando-nos a escolher aí um pedaço de cama e tentar fechar os olhos, repousar das horas não dormidas, para depois acordar com a melhor disposição alheia e marcas de pipocas nas costas. É isto e ainda rir da situação. O Laos é não querer dormir para não perder o que melhor ainda pode vir.

Mas o Laos também são espinhos, no meio das rosas, tornando-o mais credível, real e genuíno. Também tem dentes tortos, no meio do sorriso. Também gagueja quando fala. Também tem buracos e perigos escondidos: o Laos, contrariamente ao que a nossa cultura geral sabia, foi dos países mais bombardeados pelos E.U.A. durante a Guerra do Vietname, deixando-lhe o legado do país com mais UXO'S (Unexploded Ordenance - bombas por explodir) per capita no Mundo. São cerca de 80 milhões. À velocidade que são detectadas e detonadas em segurança hoje em dia, serão precisos 8 séculos de trabalho minucioso. E tudo por tabela. Porque estava situado ao lado de um palco de actores que lutavam por ideais, uns comunistas, outros, como os EUA, só porque sim, porque criaram falsas acusações em torno de um assunto que não era o deles, e depois ainda saíram mais criminosos que os criminosos que acusaram. Lançaram agente laranja durante 10 anos, rico em dioxina, um agente cancerígeno que ainda hoje se vê espelhado nas 2as e 3as gerações de famílias deficientes no Vietname! Mataram civis, aos milhares, chacinaram famílias, crianças, grávidas, a favor da integridade de uma nação hipócrita, pregadora de moralismos que não pratica, reinvidicadora do que não é e demagoga. O Mundo assistiu, testemunhou e os EUA permaneceram intocáveis... não há tribunais que julguem nações que tentam meter-se constantemente em assuntos alheios, matando em nome do bem do Mundo, mas claro, com objectivos económicos. As vidas valem pouco enquanto o dinheiro continuar a mandar no Mundo. Estas bombas por explodir, continuam a matar civis, principalmente crianças, que curiosas, são atraídas pelo metal brilhante. Também matam outras, que são “incitadas” pelos pais a procurarem o metal das bombas, um negócio bastante lucrativo, suficiente para submetê-las ao risco de vida.

O Laos também tem espinhas, mas o peixe continua a saber bem. O Laos é querer voltar, percorrer o que ninguém percorreu, ver o que ainda pouca gente viu, saborear o que não vem no pacote, mas é antes feito com a mão, calejada e pigmentada pelo sol.

O Laos, esconde uma fórmula mágica e depois, encanta por quem lá passa. Deixa marca.
Faz querer viver para voltar.
Faz querer viver, assim, genuinamente.
Faz querer viver, assim, eternamente. 


domingo, 10 de julho de 2011

Falling in love with Luang Prabang

Final do segundo dia no Mekong, atracamos em Luang Prabang... É tão bom projectar esta palavra no ar. Parece que baloiça, como o slow-boat que nos desembocou no meio dela.
Percorremos a cidade, nós, a Saja, alemã que está a viajar connosco há uns dias, e o Florian, um alemão que conhecemos no barco a caminho de cá. As fachadas características de madeira revelam a ex-colonização francesa, quando pertenceu à antiga Indochina. A cidade, romanticamente banhada pelos Rios Mekong e Khan, está repleta de cafés com esplanadas em madeira e as ruas, estreitas, com chão de tijoleira, adornadas por um verde infinito rodeiam quarteirões geometricamente como se fosse uma cidade minuciosamente projectada. Apaixonamo-nos de imediato por esta cidade. A nossa preferida do Sudeste Asiático até agora!
À procura de uma guest house, com a Saja e o Florian.
Em frente a um Hotel XPTO.




Com os mochilões às costas nem damos pelo seu peso enquanto exploramos, embevecidos, as guest houses que a cidade tem para oferecer. Parados em frente de uma potencial guest house, onde em frente se celebrava um ritual de casamento, eis que nos deparamos com o Ethan, o americano que tinhamos conhecido em Banguecoque no âmbito do couchsurfing. Marcamos mais um encontro de despedida nessa mesma noite!
Confortavelmente instalados numa guest house que tinha sido sugerida por uma rapariga suíça que conhecemos em Chiang Mai, seguimos para o Night Market para jantar. Há buffet com várias massas e vegetais, mais frango ou outras carnes grelhadas para acompanhar.
O nosso quartinho até tinha pormenores de bom gosto :)
Nhamm... nhammm... Que fome!!!!!
Deliciosamente repastados, confirmamos a nossa presença no Utopia, um bar bem simpático, com almofadas no chão, jardim com vista para o rio e um campo de voleibal para os mais desportistas. Aí conhecemos os amigos do Ethan, o Sina, um iraniano docemente simpático que transmitia a maior Paz do Mundo e duas canadianas muito "cool" e engraçadas. Devido ao recolher obrigatório que existe no Laos, todos os cafés, bares e restaurantes têm de fechar às 11h da noite para que todas as pessoas, inclusivé farangs (estrangeiros), estejam em casa antes da meia-noite. O Ethan quer outra festa de despedida e diz que a noite não pode acabar por aqui! Há o bowling, muito popular em Luang Prabang, que está aberto até às 4h da manhã. Alguém alinha? Nós aceitamos de imediato! A Saja, alemã, mais as canadianas, receiam não poder entrar nas guest houses após a meia-noite pois ouvimos estórias de pessoas que não o puderam fazer depois daquela hora. Nós confortamo-las, dizemos que, caso não seja possível, ficamos todos juntos até ao raiar do dia. Convencidas, seguimos todos num songtawe (espécie de tuk-tuk muito popular no Laos e Tailândia - uma carrinha com bancos de lado e um toldo) rumo ao bowling.

O Pedro a fazer um dos seus muitos strikes!!
A Cláudia fez um dos seus poucos strikes da noite... !
O pessoal à espera da sua vez.
Bora lá tentar um strike?
O grito de guerra.
A equipa do Bowling.
À chegada.
 Strikes que nos faziam rejubilar de alegria, bolas que passavam ao lado dos pins e que nos faziam sentir um pouco zarolhos... no fundo, o que interessava era que estávamos todos juntos a celebrar a vida! Quando decidimos voltar para a cidade, reparámos nas horas e pensámos, temos ainda umas horinhas até ao nascer do sol, que tal irmos a pé? O anuimento foi geral! Ao som de música  dos Arcade Fire, The Drums, Bob Dylan e The Legendary Tiger Man, caminhámos a dançar e a cantar durante 6 kms pelas ruas até Luang Prabang.

Chegamos à cidade, deixamos todos seguramente acolhidos nas suas guest houses e voltamos, visivelmente felizes, por mais uma noite de partilha e folia com os nossos recém-amigos.

Luang Prabang nunca mais sairá dos nossos corações.

O caminho para o chill-out.
O mercado com o templo Mai Suwannaphumaham.
À noite.
Descanso pós-folia.
O songtawe.

A pedalar pelas ruas.
A Saja e o Pedro na disco.






Pôr-do-sol no monte Phu si.
Momento de captura do pôr-do-sol.

Vista do Monte Phu si, Luang Prabang.
Vista do Monte Phu si, Luang Prabang.