quinta-feira, 21 de julho de 2011

Lao Lao

O Laos inspira enquanto o resto do Mundo suspira.
Inspira até o pedaço de espírito menos devoto à irracionalidade. Esconde uma fórmula mágica como um mago protege as suas poções. E depois, encanta por quem lá passa. Deixa marca. Faz querer viver para o ver. Faz querer presenciar a sua genuidade espiritual.

Apesar do budismo generalizado, parte do Laos ainda crê no animismo: forma de religião que acredita que todas as coisas têm ânima, um espírito, uma alma. Desde a pedra à árvore, desde o fungo ao rio. Por isso, antes de derrubar qualquer árvore, fazem uma “benção” aos espíritos que lá vivem.

O Laos incita a mergulhar de cabeça nas suas cascatas de contos de fadas e ficar sem pé. Cria cenários pintados por Van Gogh. O Laos são campos de arroz imersos num espelho de água que reflecte os seus limites: as montanhas rochosas, escarpadas em calcário (“limestones”) de perder a respiração. São sorrisos desdentados mas irresistíveis que nos levam a sorrir a toda a hora, com o estômago. De dentro. Revolve o nosso interior e espeta-nos contra a parede, indefesos, perante tanta bondade genuína.

O Laos põe qualquer photoshop ensaiado para evidenciar o que de melhor tem um país de lado. E ainda pede desculpa por ser assim: tão imperfeitamente bonito. O Laos são “acenares” pueris de “helloooooo” constantes, como quem diz “Obrigado por estarem aqui. Somos pequenos, mas obrigado por nos escolherem.” São crianças que correm atrás de nós, para nos verem com os seus olhos grandes de curiosidade quem ali passa e não tem os olhos rasgados. São humanos bebés, cães bebés, gatos bebés, destinados a florescer na sua reduzida esperança de vida. O Laos tem poucas rugas marcadas no rosto, e não fez uma plástica: é difícil ser-se velho no Laos. Não se chega lá...  

O Laos é "Same Same, But Different". É semelhante aos países vizinhos, mas difere na sua exclusividade. Não há pedaço de Laos em mais lado nenhum. E é tão bom estar num sítio assim. O Laos é único, como todas os seres são únicos e por isso especiais. O Laos é "Hurry up and wait", e ninguém se importa de esperar. Porque vale sempre a pena esperar por algo que é gratificante.

O Laos são fumos que nos remetem para as aldeias de Trás-os-Montes e entranham os nossos pulmões com saudade. São pessoas imensas de espírito e pobres em dinheiro, mas que lutam pela sua autonomia. Têm uma cabana, um campinho de arroz, uns vegetais plantados, uns ananaseiros, bananeiras e não precisam de pedir na rua.

O Laos são rios condutores do rio pai, o Mekong. São búfalos de água banhados por eles e com o focinho de fora, atentos ao que os rodeia. O Laos é o Mekong e o Mekong é um pedaço de topping de caramelo que o atravessa deixando no seu rasto o seu melhor sabor, para depois se dividir em 4 mil ilhas de encantar, antes de mergulhar no Cambodja.

O Laos é carne picada com folhas de menta, lemon grass e cebola, deixando-nos a salivar de vontade de repetir, infinitamente. É sticky-rice que se come como pão, de manhã, ao almoço e ao jantar e nunca farta. É fruit-shake ao preço da chuva que nos leva a ter prazer em ser saudável. É ice-coffee com leite condensado que arrebata logo de seguida o “ser saudável com fruta”. É Lao-Lao wine que nos deixa K.O. num ringue. É um autocarro de 16 horas atolado de pele humana, olhares indiscretos mas inocentes, sacas de maçarocas de milho que entopem os corredores obrigando-nos a escolher aí um pedaço de cama e tentar fechar os olhos, repousar das horas não dormidas, para depois acordar com a melhor disposição alheia e marcas de pipocas nas costas. É isto e ainda rir da situação. O Laos é não querer dormir para não perder o que melhor ainda pode vir.

Mas o Laos também são espinhos, no meio das rosas, tornando-o mais credível, real e genuíno. Também tem dentes tortos, no meio do sorriso. Também gagueja quando fala. Também tem buracos e perigos escondidos: o Laos, contrariamente ao que a nossa cultura geral sabia, foi dos países mais bombardeados pelos E.U.A. durante a Guerra do Vietname, deixando-lhe o legado do país com mais UXO'S (Unexploded Ordenance - bombas por explodir) per capita no Mundo. São cerca de 80 milhões. À velocidade que são detectadas e detonadas em segurança hoje em dia, serão precisos 8 séculos de trabalho minucioso. E tudo por tabela. Porque estava situado ao lado de um palco de actores que lutavam por ideais, uns comunistas, outros, como os EUA, só porque sim, porque criaram falsas acusações em torno de um assunto que não era o deles, e depois ainda saíram mais criminosos que os criminosos que acusaram. Lançaram agente laranja durante 10 anos, rico em dioxina, um agente cancerígeno que ainda hoje se vê espelhado nas 2as e 3as gerações de famílias deficientes no Vietname! Mataram civis, aos milhares, chacinaram famílias, crianças, grávidas, a favor da integridade de uma nação hipócrita, pregadora de moralismos que não pratica, reinvidicadora do que não é e demagoga. O Mundo assistiu, testemunhou e os EUA permaneceram intocáveis... não há tribunais que julguem nações que tentam meter-se constantemente em assuntos alheios, matando em nome do bem do Mundo, mas claro, com objectivos económicos. As vidas valem pouco enquanto o dinheiro continuar a mandar no Mundo. Estas bombas por explodir, continuam a matar civis, principalmente crianças, que curiosas, são atraídas pelo metal brilhante. Também matam outras, que são “incitadas” pelos pais a procurarem o metal das bombas, um negócio bastante lucrativo, suficiente para submetê-las ao risco de vida.

O Laos também tem espinhas, mas o peixe continua a saber bem. O Laos é querer voltar, percorrer o que ninguém percorreu, ver o que ainda pouca gente viu, saborear o que não vem no pacote, mas é antes feito com a mão, calejada e pigmentada pelo sol.

O Laos, esconde uma fórmula mágica e depois, encanta por quem lá passa. Deixa marca.
Faz querer viver para voltar.
Faz querer viver, assim, genuinamente.
Faz querer viver, assim, eternamente. 


3 comentários:

  1. Tenho estado um pouco ausente do vosso blog e venho hoje aqui em viagem, estamos a caminho da Póvoa para mais um concerto do Sond'Ar-te, e deparo-me com este post que me quase me pôs de lágrima no olho e me fez querer estar aí nesse sítio onde a genuinidade e a honestidade reina e as pessoas são aquilo que de melhor têm sem os artíficios que nõs fomos criando e tanta amargura e infelicidade nos vão trazendo.
    ... Gostei muito, obrigada.

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  2. Olá Violeta. Obrigado pelo teu comentário!
    È verdadade, infelizmente vão sendo cada vez menos os sítios onde as pessoas continuam a ser assim tão genuínas e generosas, onde dão sem esperar nada em troca e não olham para um estrangeiro como uma caixa multibanco a quem interessa apenas sacar uns cobres... Alguns dos países que visitámos ficámos com a sensação de que até há algum tempo também eram assim, mas hoje em dia e com a abertura ao turismo estão a ficar cada vez mais "corrompidos" pelos $$$ (muito também por culpa também de alguns tipos de turistas)
    Enfim, também não podemos generalizar e é certo que basta fugir das rotas mais turísticas para facilmente nos encontrarmos noutra realidade bem mais acolhedora.
    O Laos é sem dúvida um país que fica no coração e na nossa memória pelas pessoas e pelas paisagens lindas.
    A (re)visitar!
    Beijinhos grandes para ti, para toda a equipa da MMP e do SAEE, com votos de um bom concerto e de um fim de semana bem passado aí pela Póvoa.

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  3. Hummm ca bom...
    Mais uma vídeo daqueles!
    Muito fixe, Grande Laos, obrigada miúdos!
    beijos aqui da sala, com cheirinho de amêndoa amarga

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